JUSTIÇA PARA CLÁUDIA SIMÕES! | Tribunal de Sintra
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há 5 meses
Tribunal de Sintra
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ATENÇÃO: ADIADO PARA 8 de NOVEMBRO

O caso de violência policial sob Cláudia Simões está em julgamento e a primeira sessão é já:

8 de NOVEMBRO - Tribunal de Sintra

JUSTIÇA PARA CLÁUDIA SIMÕES!

SOLIDARIEDADE COM TODAS AS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA POLICIAL RACISTA!

ARTIGO DO AFRO LINK:
https://afrolink.pt/justica-para-claudia-simoes-e-todas-as-vitimas-da-violencia-policial-racista/
O julgamento das agressões a Cláudia Simões, que tem como arguidos os agentes da PSP Carlos Canha, João Gouveia e Fernando Rodrigues, arranca na próxima quarta-feira, 13 de Setembro, às 13h30, no Juízo Central Criminal de Sintra. O Afrolink recorda o caso, e apela à mobilização de todas as pessoas: quem puder, marque presença em tribunal, em solidariedade com a Claúdia e todas a vítimas da violência policial racista. Exigimos Justiça!

por Afrolink

Ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada. Estes são os crimes pelos quais agentes da PSP acusados de agredir Claúdia Simões vão ser levados a tribunal.

A decisão da juíza de instrução do Tribunal da Amadora, conhecida na semana passada, surge mais de dois anos depois de o caso se ter tornado público, a partir de um vídeo partilhado nas redes sociais.

Nessas imagens, vê-se o agente da PSP Carlos Canha a agredir Cláudia Simões, numa paragem de autocarros da Amadora, acto que deveria merecer o repúdio de qualquer ser humano, e uma firme condenação da corporação.

As imagens do rosto desfigurado da sobrevivente, que teve de receber tratamento hospitalar urgente depois de ser encaminhada para a esquadra do Casal de São Brás, deveriam acentuar esse repúdio e agravar essa condenação. Mas, aos olhos do então responsável máximo da PSP, Magina da Silva, (entretanto de saída da corporação) o polícia limitou-se “a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor na PSP”.

As declarações do ex-director nacional da PSP, de que não houve “qualquer infracção” no vídeo da detenção de Cláudia Simões, foram proferidas pouco depois da agressão, e são bastante reveladoras das abordagens policiais – e criminosas – utilizadas pelos agentes.

Aliás, o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública também não se coibiu de comentar o caso, desta feita a partir do comportamento de Cláudia Simões que, para se defender, mordeu o agente que a imobilizava. Num post publicado no Facebook, e pouco depois apagado, a organização insinuava que Cláudia Simões padecia de doença grave. “As melhoras ao colega e espero que as análises sejam todas negativas a doenças graves. Contudo a defesa da cidadã está a começar a ser orquestrada pelo ódiomor [sic] de brancos”, lia-se nesse post.

Enquanto essa estrutura sindical exibia imagens dos arranhões e outras marcas alegadamente resultantes do suposto comportamento violento de Cláudia Simões – que chegou a ser ouvida como arguida, tendo sido, entretanto, ilibada –, a mesma lidava com as dores – físicas e psicológicas – do encontro com o agente Carlos Canha.

“Face deformada por hematomas extensos”

“O relatório de urgência do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), onde Cláudia Simões entrou a 19 de Janeiro às 22h18, sinalizou-a como “muito urgente”, vítima de agressão, com “face deformada por hematomas extensos””, informa o Público, que, em Outubro de 2021, noticiava a intenção do Ministério Público (MP) de levar os agentes Carlos Canha, João Carlos Cardoso Neto Gouveia e Fernando Luís Pereira Rodrigues a julgamento por causa das agressões a Cláudia Simões.

“Num despacho de acusação de 30 de Setembro [2021], o MP acusa Carlos Canha dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada contra Cláudia Simões. Aos outros dois agentes que estavam no carro aquando das alegadas agressões de Carlos Canha, o MP acusa, cada um deles, de um crime de abuso de poder e de nada fazerem para impedir que Canha agredisse Cláudia Simões”, prosseguia o Público na notícia, reproduzindo excertos desse despacho.

No documento “o MP descreve que “no trajecto de cerca de 3km entre a R. Elias Garcia e a esquadra do Casal de S. Brás”, para onde Cláudia Simões foi conduzida, o arguido Carlos Canha, “aproveitando-se do facto de a ofendida se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha”, disse-lhe: “Agora é que te vou mostrar, sua p*, sua preta do c*, seu c*, sua macaca.” Fazia-o “enquanto lhe desferia vários socos na cara”. Ao mesmo tempo, “e enquanto se tentava proteger, baixando a cara para não ser atingida”, o agente Carlos Canha dizia-lhe: “estás a baixar a cara, c*” e “ainda por cima esta p* é rija”. Segundo o MP, à saída da viatura junto à esquadra, Carlos Canha desferiu também em Cláudia Simões “um pontapé que a atingiu na testa”.

Importa recordar que tudo começou por causa de um passe esquecido, para não esquecermos que a violência policial não precisa de pretexto.

Resta-nos esperar para saber se o contexto racista das agressões vai ser reconhecido em tribunal, lembrando que também existe um processo judicial contra a Cláudia, acusada de agredir o agente Carlos Canha. Uma decisão que repudiamos, ao encontro do que que se dispõe na Carta Aberta “Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema”.

Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema – Carta Aberta

Agredida em 2020 pelo agente da PSP Carlos Canha, Cláudia Simões vai a julgamento não apenas como vítima, mas como alegada agressora. “Assim, ao contrário do que apurou o MP, a história que vai a julgamento não é aquela de uma mulher negra, agredida em frente à sua filha de 7 anos, por um agente da PSP, com formação em artes marciais; mas a história de um motorista e de um polícia que percecionam esta mulher como ameaça, reificando o imaginário histórico de uma mulher negra, corpulenta, descontrolada, agressiva – intimidante”, lemos na Carta Aberta “Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema”. O documento, que o Afrolink subscreve, mobiliza mais de 260 subscritores, entre colectivos e pessoas individuais, unidos no mesmo repto: “Justiça para Cláudia Simões e para todes es sobreviventes da violência policial!”.

Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema

No passado dia 25 de janeiro, três anos volvidos sobre as agressões, do agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) Carlos Canha, a Cláudia Simões, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar Cláudia Simões pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada. Isto é, contrariando as decisões anteriores do Ministério Público (MP) e do Juiz de Instrução, Cláudia Simões não irá a julgamento somente na qualidade de vítima, mas também sob suspeita de ter agredido o agente da PSP. Já Carlos Canha irá a julgamento por oito crimes que contemplam injúria e ofensas à integridade física agravada, sequestro e abuso de poder, enquanto João Gouveia e Fernando Pereira são acusados de um crime de abuso de poder, pela omissão de auxílio à vítima, Claúdia Simões. Acrescente-se ainda que, nessa mesma noite, no interior da Esquadra do Casal de S. Brás, Carlos Canha agrediria ainda outras duas pessoas, uma das quais havia filmado a agressão a Cláudia Simões. Carlos Canha foi ainda, mais recentemente, citado na reportagem Quando o Ódio Veste Farda (2022) por integrar uma base de dados de 591 elementos das forças de segurança que alegadamente cometem crimes de ódio nas redes sociais.

A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é, em certa medida, inusitada, já que, ao que tudo indica, preferiu ancorar-se no testemunho de uma das pessoas agredidas na Esquadra obtido imediatamente após as agressões, do que nas declarações prestadas pelo mesmo, mais tarde, ao MP, à partida mais fidedignas por não terem sido prestadas num contexto de possível coação. A acusação que pende agora sobre Cláudia Simões parece, de algum modo, legitimar a ideia de que a violência a que todes assistimos foi, afinal, uma consequência dos seus atos. Ou seja, criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema.

Assim, ao contrário do que apurou o MP, a história que vai a julgamento não é aquela de uma mulher negra, agredida em frente à sua filha de 7 anos, por um agente da PSP, com formação em artes marciais; mas a história de um motorista e de um polícia que percecionam esta mulher como ameaça, reificando o imaginário histórico de uma mulher negra, corpulenta, descontrolada, agressiva – intimidante.

O uso da “perceção de perigo” como argumento justificativo para a violência policial lembra-nos histórias recentes, como o caso da Esquadra de Alfragide. Aí, também a “perceção de perigo”, da pretensa “invasão de esquadra” por um grupo de homens negros, que terá sido sentida pelos polícias, pesou para atenuar a gravidade dos seus crimes/condenações, como se de uma prova material se tratasse. E, embora a condenação por crimes graves tenha sido, posteriormente, confirmada pela Relação, os agentes continuam inaceitavelmente em funções.

O arrastar deste processo em recursos consecutivos parece ser uma tentativa de retirar a relevância pública e política de um evento que chocou o país e que ocorreu pouco tempo antes da morte de George Floyd às mãos da polícia que aplicou técnicas de imobilização semelhantes sob o pescoço. Pode-se igualmente esperar, seja pela prática corrente dos tribunais portugueses, seja pela postura reiteradamente negacionista dos mais altos responsáveis da PSP e do Governo, que a dimensão racial que atravessa este caso nem venha a ver a luz do dia.

A agressão de Carlos Canha a Cláudia Simões não foi um ato isolado: as pessoas negras e Roma/ciganas na periferia são institucionalmente mais vigiadas e violentadas pelo aparelho repressivo do Estado. A decisão do sistema de justiça sobre este caso não pode continuar a reproduzir a impunidade da violência policial contra pessoas racializadas.

Por tudo isto, cá estaremos – vigilantes, atentes – com Cláudia Simões, por todes nós!

Justiça para Cláudia Simões e para todes es sobreviventes da violência policial!